A Queima de Livros

Matheus Pires Cardoso
5 min readJan 30, 2020

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“[…]O mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acessos”
“[…]O mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acessos”

Na Coda do romance distópico Fahrenheit 451, Bradbury mostra sua indignação com as “sugestões” enviadas a ele para a modificação de algumas de suas obras. Ele prontamente mostra seu posicionamento as “amigáveis tentativas” de torna mais light suas histórias pra que pudessem ser facilmente digeríveis, fossem mais inclusiva e que não se direcionasse contrário ao gosto do leitor. “Como reagi a tudo isso? “Queimando” o lote [de cartas] inteiro. Enviando bilhetinhos de rejeição a todos eles. Despachando o conjunto de idiotas para os quintos dos infernos.” Bradbury recebeu dentre várias sugestões uma que aconselhava um maior protagonismo das personagens femininas, reformulações de personagens negros, outra de que Bradbury era “era preconceituoso em favor dos negros e que a história toda deveria ser descartada” [é, idiotas também opinam] e até de editoras tentando podar seus contos em edições dedicadas a certo tipo de público. Fahrentheit 451 parece ter sido inspirada nestas tentativas absortas de moldar as obras do autor ao paladar do público “preocupado e atencioso”, tornando conivente a sua bolha. A distopia nos apresenta uma sociedade onde os livros são queimados, tratados como “perigosos”, e são os bombeiros que exercem tal tarefa, deixando o seu papel comum de finalizar incêndios para iniciá-los em pilhas de livros e bibliotecas. Bradbury mostra em suas palavras finais de Fahrenheit 451, que a “queima” de livros já ocorre. Mas como? Certamente, muitos podem se recordar de ocorridos históricos como a da Biblioteca de Alexandria ou a queima de livros durante o avanço do nazismo na Alemanha. Mas podemos ser bem mais precisos, a “queima” de livros ou o ascender de um fósforo para tal ação não precisa ser de forma literal. Uns dois anos atrás, tive a infelicidade de conhecer certo cidadão, professor, e aqui gostaria de enfatizar sua profissão, que quando viu uma aluna lendo um dos Guia politicamente incorreto prontamente disse “Tome cuidado com este livro!” e demonizou completamente a obra. Claro, os motivos de tal discurso eram o simples fato da obra não condizer com a narrativa política do cidadão, a qual ele se alinhava. Muito provável que o certo professor nem se deu o trabalho da leitura para apontar erros históricos que a obra apresentava, se é que há, afinal quem tem tempo pra isso, basta repetir os bordões de sempre, assim que age um verdadeiro “intelectual” do século XXI. Em outra ocasião, decidi assinar um jornal sobre literatura e o recebia, com certo prazer, a versão impressa, mas depois de uma edição tome desgosto profundo do material. Em uma das colunas, tínhamos a descrição de uma entrevista a uma escritora brasileira, convidada para responder algumas perguntas tanto em relação a sua mais recente obra quanto a questões atuais sobre livros e política. E uma das perguntas era algo como “Qual livro você descartaria?” e a escritora prontamente responde “Toda a obra de Olavo de Carvalho”. Só a pergunta em si já é ridícula, desde quando obras são descartáveis, até livros com ideias mais absurdamente idiotas, não são descartáveis, é melhor saber o quão idiota uma pessoa pode ser deixando-a que fale do que reprimir, afinal é isso que a liberdade de expressão nos proporciona. E aqui não entro no mérito de se concordar ou não com a obra do escritor citado. Mas enfim, certamente não responderia a este tipo de pergunta, tanto quem a faz quanto aquela que responde é infeliz nas suas ações. Mas o que tais situações têm haver com a distopia de Bradbury? O descarte, a demonização, a reformulação e até mesmo a proibição de livros é uma forma de “incendiá-los”. E muitos hoje o fazem, uma universidade, recentemente, recebeu reclamações de seus estudantes para a retirada de escritores “brancos” do curso, o que será depois, queimar e proibir escritores que não concordam com a opinião geral, ou os brancos, que tal os cristãos? Ateus? Judeus? Americanos? Capitalistas? Comunistas ou até mesmo a chata metida a vegana? Os que falam contra uma determinada religião? Ou aquele que critica as atitudes de certos alarmistas ou até mesmo políticos? “[…]O mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acessos”.

“Contra o “fascismo do patriarcado” e a “violência de gênero”, grupo feminista mexicano promoveu uma fogueira de livros cristãos.| Foto: Reprodução”
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Mas isso é apenas uma das formas usadas pelos incendiários, astentativas de moldar e controlar a linguagem de forma a torná-la politicamente correta, inclusiva e menos “opressora” é outra ação deste grupo nefasto. Bradbury é enfático “Pois o mundo está louco e ficará mais louco, se permitimos que as minorias interfiram na estética. O mundo real é o terreno em que todo e qualquer grupo formula ou revoga leis como num grande jogo.” Fala-se em censura como se fosse um ato cometido apenas pela máquina estatal, mas não é, chega-se a um ponto em que determinadas coisas não podem ser ditas, escritas ou devem ser reformuladas, ou logo você será tachado com algo terminado com “ista”, tudo em nome de torna um mundo mais “igualitário”. Bradbury também contesta a tentativa de suprir as suas obras de forma a torná-las facilmente digeríveis sobre isso ele diz “Se os professores e os editores das escolas elementares acharem que minhas frases trava-línguas partirão seus dentes-de-leite, eles que comam o bolo rançoso embebido em chá fresco de sua própria produção apóstata.” Descontente das tentativas de encaixar seus escritos a um bloco de folhas facilmente lido retirando toda estética e tentativas de instigar o leitor a reflexão, reduzido a adaptações fáceis de ler. Bradbury traz todo descontentamento das tentativas de deturpar e dilacerar suas obras, se ele deixasse que assim o fizesse o que viria depois? Tais tentativas não exclusivas a época de Bradbury, elas ocorrem hoje, e há poucos que a enfrentam, pois é mais fácil se entregar as ações coercitivas do que dá a cara a tapas. Mas há esperança, pelo menos tenho fé nisso, pois a muitos que fazem e farão das seguintes palavras de Bradbury as suas: “O mundo real é o terreno em que todo e qualquer grupo formula ou revoga leis como num grande jogo. Mas a ponta do nariz do meu livro ou dos meus contos ou poemas é onde seus direitos terminam e meus imperativos territórios começam, mandam e comandam”.

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